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Foto do escritorRoberta Pimenta

Um olhar humano sobre a atividade policial

Atualizado: 30 de mai.

A atividade policial no Brasil tem contornos altamente complexos. Além dos riscos inerentes à profissão, policiais lidam, diariamente, com a falta de valorização do elemento humano, carência de meios e treinamento, anacronia do modelo policial, falta e má gestão de recursos, desconfiança por parte de setores da sociedade e ausência de respaldo jurídico para realização de seu ofício. Isto gera reflexos na forma como se combate o crime, havendo uma onda inaceitável de ataques a profissionais de segurança pública, em virtude dos problemas do sistema policial e de persecução penal.


Policiais que não dominam técnicas adequadas de combate e com treinamento deficitário têm muito mais chance de se envolverem em confrontos, de tomarem decisões precipitadas ou equivocadas e de serem vitimados. A vida dos policiais brasileiros definitivamente, não é como mostradas nas series de Hollywood como CSI, Criminal Minds, Hawai Five Zero, NCIS e por ai vai.


Foto : Ney Douglas


Segundo o Coronel QOPM da PMRN Jair Justino Pereira Júnior, os treinamentos são todos padronizados, existem uma série de procedimentos adotados no mundo inteiro desde abordagem, passando pela troca de pneu, até casos mais graves, incluindo reféns, explosivos. Há muito que se evoluir mas em relação ao passado, hoje se tem toda uma preocupação no treinamento, capacitação, formação. Com a crise do Corona Vírus os recurso federais, através da pactuação e convênios, estão prejudicados. Essas padronizações nos procedimentos servem tanto na rádio patrulha, quanto nas especializadas como Choque, Bope, Rocam, Cavalaria, etc. A grande questão hoje que se faz urgente mudança é a cultural, tanto interna quanto externamente.


Para o Tenente Coronel Rodrigo Trigueiro, um ano de preparação na escola de policiais, é um treinamento razoável, eles se formam sabendo o que vão fazer, mas tem a individualização, a educação, que faz com que uns tenham mais habilidades que outros. A PM peca na continuação da capacitação/treinamento pela falta ou suspensão temporária de recursos como no momento. No quartel central, em Natal (RN) existe um projeto chamado Sobrevivência Policial que produz munição para realização de treinamentos e instrução, tudo para baratear e facilitar essas ações. Para o 1º Sargento Vinicius Aragão, hoje instrutor das policias do RN, os operadores de segurança fazem muito com o pouco que tem, devido a estrutura defasada, viaturas sucateadas, poucos tiros realizados durante o treinamento e a falta de respeito de uma parte da sociedade. “Ser bom com tudo favorável é fácil, o duro é ser bom no ruim, e sim somos excelentes no que fazemos com a nossa realidade”.


Assim como para o Coronel Jair Jr, Rodrigo Trigueiro acredita na questão cultural e níveis de civilidade da tropa, esses sim precisam passar por grandes transformações e são bem necessárias. Civilidade, cultura e educação é o que faz a diferença. É a falta da índole que transforma o policial com o lema de servir a sociedade, num justiceiro/bandido. “Bem como a total falta de vocação para o serviço público ou o interesse de usar o sistema por ambição e poder”, palavras do Sargento Aragão.


No que diz respeito ao treinamento, é necessário que haja uma adequação de currículos de formação com base em conceitos modernos, se eles são padronizados como já se falou é primordial que as instituições estejam atentas à evolução de doutrinas nacionais e estrangeiras, bem como adotem uma postura aberta à recepção de conhecimento, seja ele advindo de seus próprios profissionais que se dedicam à sua busca ou de elementos externos, públicos ou privados. Esta busca deve ser constante, de forma que instruções e reciclagens sejam realizadas com base em programas abrangentes e rotineiros, que sejam apresentados de forma atraente para os profissionais, já extremamente desgastados pela atividade que exercem.


Na ótica dos operadores de segurança esse profissional não é treinado para situações diferenciadas, ambientes públicos onde estão mais expostos. É preciso implementar a mentalidade de combate no policial, para que ele tenha instinto e vontade de sobreviver. Treinamento sempre, para que todos sobrevivam.


Foto: Ney Douglas


Hoje se sabe do alto risco de ser policial então ter capacitação e estar constantemente treinado vai garantir a ele sua própria segurança, da equipe e dos infratores. Segundo o Coronel Jair Junior não se pode demonizar as ações policiais, vide o que aconteceu no RJ, na favela do Jacarezinho, baseados em dois parâmetros básicos para as ações: legalidade e proporcionalidade. Senão fugiu há essas duas diretrizes não se pode julgar nem demonizar. Segundo o Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), a operação policial foi a mais letal da história do Rio de Janeiro, superando os recordes anteriores registrados na Vila Operária em Duque de Caxias (23 mortos em janeiros de 1998), no Alemão (19 mortos em junho de 2007) e em Senador Camará (15 mortos em janeiro de 2003).


LIBERAÇÃO DE ARMAS

Esse é um tema bem polemico, de uma forma geral os entrevistados colocam que são favoráveis desde que o cidadão tenha um bom treinamento e constância nele e que tudo seja feito nos tramites legais.

A arma oferece ao seu portador muitas vezes uma falsa sensação de segurança. O constante treinamento, o preparo psicológico, obediência aos parâmetros de segurança é o que torna cada pessoa capacitada para tal ação, e não um ser de risco para ele e para sociedade

Não adianta ter uma arma e não saber usar, ao portar uma deve-se ter em mente não perder seu instrumento de trabalho ou no caso do cidadão comum, para uso pessoal/defesa, por isso mais uma vez a importância do constante treinamento e em momentos distintos.


DETURPAÇÃO DA IMAGEM

A deturpação da imagem do policial brasileiro advém de um histórico negativo, de divulgação somente dos erros. É urgente a educação da população para que ela mesma faça a distinção, uma peneira, já que em toda profissão há pessoas boas e ruins. No caso dos policiais a grande maioria são formados, com nível superior, bons profissionais e que vivem uma guerra diária. O duelo política/ideologia tem interferido em todos os assuntos e na segurança pública não é diferente.


Para o jornalista Ayrton Freire, que atua na área policial, há sim muitos mais motivos para investigar e valorizar as ações policiais mas do que politizar. Usar filmes com Tropa de Elite e Arcanjo Renegado como modelo de policial no Brasil não condiz com a verdade, o que é mostrado é extremamente caricato. Há necessidade de se passar um filtro severo nisso. Ele mesmo conhece vários policias que fazem projetos sociais, de esportes e distribuição de cestas básicas.


“Não podemos generalizar, temos que mostrar o bem, os bons, os que trabalham dentro da lei. Não tem gente contra a polícia. Eu acredito na maioria dos nossos policiais, sim eles ajudam, cooperam e tem respeito pelo trabalho da imprensa, já que somos a voz da sociedade em várias questões”.


Trazer o civil para dentro do quartel em ações sociais, como eco terapia e pet terapia desvincula a imagem de agressividade e violência ligadas ao ser policial. É importante que instituições policiais e profissionais de segurança pública aumentem sua interlocução com órgãos de controle da atividade, mídia e sociedade, de forma equilibrada.


Em suma, é necessário falar, explicar como funcionam as dinâmicas relacionadas a interações violentas e uso da força, para que se derrubem mitos e que, gradativamente, se insira na mente do leigo que a profissão policial não é exercida à maneira hollywoodiana, envolvendo decisões e procedimentos de altíssima complexidade.

Havendo esta aproximação, é possível que se moldem e adequem as expectativas do público à realidade da atividade, o que repercutirá nas críticas e pressões sobre o profissional.


Para elucidar a população em geral o operador de segurança é antes de tudo um cidadão, que doa sua vida para salvar a vida de alguém que ele nem conhece. Hoje devido todo o quadro até aqui mostrado muitos estão doentes, com depressão, ansiedade, síndrome do pânico e problemas com álcool e outras drogas. Fora os transtornos em sua base familiar que senão tiver uma boa estrutura pode vir a ruir com facilidade diante dessa dura realidade.


SISTEMA PENITENCIÁRIO

Há um antes e depois de Alcaçuz. Naquele sangrento dia 14 de janeiro de 2017, dia de visita aos internos os presos do pavilhão 4, ligados ao Sindicato do Crime do RN (parceiro do Comando Vermelho e FDN), observavam um movimento anormal no pavilhão 5, onde estavam detentos da facção rival, o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os inimigos andavam livremente, alguns com arma de fogo nas mãos, coletes à prova de bala e até bombas de efeito moral. Pelo menos 26 presos que estavam no pavilhão 4 e que não conseguiram subir no telhado, foram mortos no pátio. Quinze deles foram decapitados. Outros foram esquartejados ou tiveram os corpos mutilados. A penitenciária tinha capacidade na época para 620 detentos, mas estava com cerca de 1.150.


Porém anterior a Alcaçuz houve a Penitenciária Central Doutor João Chaves, conhecida por “Caldeirão do Diabo”, na Zona Norte de Natal. Ela ficou conhecida por esse nome por causa dos inúmeros crimes que aconteceram dentro do presídio, principalmente entre a década de 80 e 90. As mortes no caldeirão do diabo eram as mais terríveis possíveis, os assassinos adotavam medidas cruéis como forma de identificação, era também um jeito de intimidar seus possíveis desafetos. Paulo Queixada bebia um copo americano de sangue de suas vítimas, Naldinho do Mereto arrancava os olhos das vítimas para não ser reconhecido ao chegar no inferno. Existia um preso chamado Baraúna que comia um pedaço do fígado das suas vítimas.


No dia 24 de março de 2006 a João Chaves foi derrubada, dando lugar ao Complexo Cultural da Zona Norte, hoje administrada pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Quando o Caldeirão foi desativado e todos os presos foram removidos, surpreendia o estado de destruição do local e frases do tipo “João Chaves, lugar difícil de se viver”.


As lições da história deixadas com a João Chaves parecem não ter sido absorvidas e essa realidade “difícil de se viver” continuaram. As autoridades públicas só tomaram uma atitude em relação a Alcaçuz depois de toda barbárie. Segundo o jornalista Geider Henrique Xavier, que na época trabalhava como assessor de imprensa da SEJUC, não havia investimentos mínimos nas unidades prisionais, o Estado fazia concessões visando criar quase uma “comunidade de amigos” e não um local onde se encontravam presos perigosos. Para ele Emilson França foi o cabeça pensante das mudanças jurídicas do que se vê hoje nos presididos do RN. Atualmente Alcaçuz tem estrutura para agentes penitenciários, com mini presídios, os presos ficam em celas e tem grades nos corredores. No caso de algum problema, os agentes não precisam entrar nas celas para resolver os conflitos, bem como houve concurso para agentes penitenciários. No último dia 20 de maio o Governo entregou em solenidade no Centro Administrativo, 14 novas caminhonetes tipo cela para a Secretaria da Administração Penitenciária (Seap), num investimento de R$ 2,1 milhões, através de convênio com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Os veículos vão melhorar a qualidade da prestação dos serviços dos policiais penais e a segurança do sistema prisional do Rio Grande do Norte.


A governadora Fátima Bezerra destacou os investimentos realizados na atual gestão que levaram o sistema penitenciário a se tornar mais seguro e controlado. “Vamos continuar nesta marcha, investindo cada vez mais para melhorar a segurança pública”, disse.


Os CDP’s foram extintos, a cidade de Mossoró recebeu um presidio federal onde estão altas lideranças ligadas ao crime, a cadeia pública de Ceara Mirim em 2020, teve 11 presos aprovados no ENEM e que conseguiram, através do Programa Universidade para Todos (Prouni), bolsas integrais ou meia-bolsa para cursar graduação em alguma faculdade privada do Estado.


O Governo pensa em criar mais duas Apac’s como a de Macau considerada modelo, que desenvolve atividades artesanais e ligadas à música, e trabalha a ressocialização de condenados (recuperandos) de forma humanitária.


Contando com o apoio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, a APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) busca celebrar uma parceria com o governo do Estado, de modo a garantir o custeio de despesas como funcionários, alimentação, etc., e com isto, uma aplicação da metodologia APAC de maneira mais eficiente e objetiva. A APAC é uma entidade civil criada a partir de incentivos do “Programa Novos Rumos na Execução Penal”, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.


MORTES DE POLICIAIS

O Brasil teve 198 policiais assassinados em serviço e de folga em 2020, um aumento de 10% em relação a 2019. O Piauí foi o estado com a maior taxa de policiais mortos (1 a cada mil policiais). Acre, Paraná, Rio Grande do Sul e Tocantins foram os únicos estados que não registraram morte de policial em 2020. (Levantamento do G1)

A maior parte das mortes de policiais no Brasil aconteceu quando os profissionais estavam de folga. Somente 30% morreram quando estavam trabalhando. “Se o ladrão for conceituado no crime, houver uma ocorrência com troca de tiros e eu matar o cara, no mês seguinte vão me buscar em casa. O crime tem dinheiro e não tem rotina. O PM honesto não tem dinheiro e tem rotina, descreve um soldado”.


“Vida se paga com vida e sangue se paga com sangue”. – estatuto do PCC criado em 93.


Segundo Dennis Pacheco e Samira Bueno do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), historicamente, a folga é o momento que deixa os policiais mais vulneráveis, "seja porque tendem a reagir a roubos e, ainda que armados, a chance de que sejam vitimados é grande; seja porque muitos dos profissionais de segurança no Brasil exercem outras atividades remuneradas para complementar a renda no seu horário de folga, o famoso bico".


"Neste momento, não vestem farda, não tem apoio operacional da corporação ou de colegas e, muitas vezes, precisam lidar com situações de roubo em andamento, o que acaba por ceifar suas vidas."


De janeiro até o agora, seis policiais militares do RN e um policial civil da Paraíba foram mortos, além de outros três PMs potiguares que ficaram feridos, todos vítimas de assaltantes. No dia, 03 de junho um sargento da reserva de Parnamirim foi esfaqueado durante um assalto que aconteceu em uma farmácia de Parnamirim.


De acordo com a assessoria da PM, o sargento estava no estabelecimento quando o assalto foi anunciado, reagiu e entrou em luta corporal com o criminoso. O bandido estava armado com uma faca e desferiu pelo menos duas cutiladas no abdome do militar, que felizmente conseguiu sacar a arma e atirar na perna do meliante.

A Associação dos Subtenentes e Sargentos Policiais e Bombeiros Militares do RN – ASSPMBMRN emitiu uma nota lamentando a violência contra os agentes de segurança do Estado. Segundo a Associação os números mostram à defasagem da legislação atual que favorece a impunidade e consequentemente estimula a criminalidade. Em 2019, o RN registrou 13 mortes de agentes de segurança, em 2020 foram 7.

RETENÇÃO E CONTRARETENÇÃO

O método consiste em táticas de retenção e contrarretenção, visando a proteção e manutenção do armamento com movimentos dinâmicos, explosivos e eficazes, com ênfase no confronto corpo a corpo (o jiu jitsu e o muay thai são a base das táticas), tendo sempre como objetivo a sobrevivência policial, bem como o desarmamento do agressor.


Um estudo do FBI em seu livro "Violent Encounters: A Study of Felonious Assaults on Our Nation's Law Enforcement Officers" mostra que em 800 encontros entre policiais e criminosos tivemos:

- 60% dos casos de morte de policiais (morreram sem sequer retirar suas armas dos coldres); e

- 40% morreram mesmo sacando suas armas.

Dos policiais mortos, somente 27% conseguiram reagir atirando de volta e destes últimos, menos de 50% conseguiram atingir seus agressores e apenas 30% dos agressores atingidos foram neutralizados. Ou seja, do universo de policiais mortos, menos de 30% chegaram a disparar e apenas cerca de 10% conseguiram acertar seus agressores, sendo que no máximo 3% dos casos, os agressores foram neutralizados.


No RN o Sargento Vinicius Aragão, treina a corporação com essa técnica considerada em tempos atuais das mais eficientes e eficazes na defesa da vida dos policiais.

O método foi criado em 2017 por Luiz Charneski que atua na área de instrução em defesa policial, mais especificamente na área de Retenção e Contra Retenção da arma de fogo. Em 2017 trouxe toda a sua experiência da arte marcial para um novo conceito de defesa pessoal policial.



A exposição aos riscos inerentes à profissão e à violência tem repercussões importantes na forma como os policiais estabelecem e mantêm os laços sociais, os relacionamentos, a inserção na comunidade e o contato com a família. A luta pela arma de fogo pelo agente de segurança pública, nada mais é do que a luta pela própria vida. Técnicas de combate corpo a corpo e defesa policial são cada dia mais importantes no cumprimento do dever e na garantia da segurança do agente.


E a participação das mulheres tem crescido no meio das forças de segurança e no cursos de auto defesa. Elas são consideradas mais concentradas, disciplinadas e atiram bem.

Ser Policial hoje é viver a saga de “Dom Quixote de La Mancha” imortalizado por Miguel de Cervantes. Ficou mentalmente transtornado pelo descompasso entre seu idealismo e sua realidade de vida. “...Enfrentar o inimigo invencível, Tentar quando as forças se esvaem, Alcançar a estrela inatingível: Essa é a minha busca.” (Dom Quixote).


As palavras do Sargento Aragão resumem esse olhar humano sobre a atividade policial.

“É melhor ter uma habilidade e nunca precisar usar, do que quando precisar não tê-la. Treinem o máximo que puder, o treinamento tem que fazer parte da rotina. A instituição espera muito do agente, a sociedade espera também, mas a família espera muito mais pois quer que o ser humano volte para casa vivo”.









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