Escrita pelo multipremiado escritor paulistano Luiz Eduardo de Carvalho e
apresentada com linguagem objetiva, predominantemente jornalística,
salpicada com pontuais incursões literárias, que conferem emoção a
alguns episódios narrados, Mãos de Deus – Biografia Autorizada do
Padre Júlio Lancellotti conta a história do enfermeiro, pedagogo, teólogo
e sacerdote Júlio Renato Lancellotti em tom quase memorialista, uma vez
que é repleta de depoimentos e declarações do protagonista biografado a
respeito de si mesmo, dos fatos que transcorreram em sua vida e das
interações com pessoas que foram fundamentais para sua história e que,
em todos os casos, marcaram sua trajetória positiva ou negativamente.
Somam-se a isso, dezenas de outros depoentes a acrescentar visões
diversificadas por pontos de vista coadjuvantes.
Considerando entrevistas, livros, periódicos, artigos, matérias, reportagens
e participações em programas televisivos e radiofônicos, além dos artigos
que ele publicou em jornais paulistanos, a monta de registros jornalísticos,
bibliográficos ou acadêmicos envolvendo o relato a respeito do padre Júlio
ultrapassa a casa de 900 ocorrências que foram cuidadosamente
consultadas, decupadas e compiladas em Mãos de Deus, com o fito de
fornecer um conjunto de informações articuladas que representa o mais
largo e profundo perfil, na forma de uma biografia autorizada, já escrito a
respeito deste importante personagem humanista contemporâneo.
A obra principia com um preâmbulo, no qual o autor expõe as motivações
voltadas ao coletivo, seguidas das decorrentes de fomento pessoal e
apresenta uma premiada crônica composta em homenagem ao biografado.
O livro, a partir disso, deriva para a narrativa dos fatos circunstanciados
pela história da vida do padre Júlio, desde a infância no período pré-
escolar, atravessando toda sua formação, até se consumar com seu
ordenamento como sacerdote.

A seguir, abre-se aos tópicos que mais marcaram sua vida eclesiástica,
desde a influência de fatos históricos, de movimentos ideológicos, de
mestres e ídolos, até a sua atuação junto às detentas do Presídio Feminino
do Tatuapé, onde foi capelão por muitos anos; junto aos internos das
diversas unidades da Febem, onde trabalhou por muitos tempo como
funcionário direto e, depois, lotado na Pastoral do Menor, cuja
fundamentação acompanhou desde o princípio; seu envolvimento visceral
com a formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente; a histórica luta
pela abertura e manutenção da Casa Vida para o acolhimento de crianças
portadoras do vírus HIV, o protagonismo expoente, desde a nascente e até
os dias de hoje, na Pastoral do Povo de Rua, da qual é o vigário há exatos
trinta anos.
Sempre sob duas vertentes são apresentadas sua prédica e sua práxis: a
metodológica, que apresenta seus pensamentos e suas ações norteadas
pelo embasamento teórico em todas as frentes em que atuou e a política,
que determinou as tentativas, muitas delas exitosas, de consolidação dos
resultados de sua luta como um legado permanente, mediante a
instauração de marcos legais ou a incorporação em políticas públicas para
assegurar a continuidade dos avanços pelos quais tanto se debateu, como,
por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a recente lei Júlio
Lancellotti que combate a aporofobia.
Não poderiam faltar, decerto, os tantos reconhecimentos e as muitas
oposições ao seu trabalho, desde os expressos em simples
descontentamentos ou em orquestradas intrigas, passando pelos que
tentaram constrangê-lo, denegri-lo ou derrubá-lo e culminando com
circunstâncias em que ele esteve realmente em grande perigo de vida, sob
ameaça de morte.
No encerramento, após um rol de mais de trinta depoimentos de pessoas e
entidades ligadas ao ecumênico mundo religioso, ao político, ao social e ao
de relações pessoais com ele, com juízos de cunho valorativo a respeito
de sua pessoa, de suas ideias e de sua luta, são apresentadas ementas
dos 268 artigos e crônicas que escreveu e publicou semanalmente por
mais de 5 anos em um jornal de grande circulação em São Paulo, além de
um pinga-fogo com perguntas que revelam seu perfil relacionado a
assuntos mundanos e cotidianos.
O desfecho fica em aberto na expectativa dos próximos anos de sua vida
que, certamente, renderão muitas outras histórias que, emanadas das
mãos de Deus, convergirão para um reconhecimento ainda maior do que o
juízo a respeito dos fatos narrados em Mãos de Deus possam criar na
mente dos leitores dispostos a conhecerem o padre Júlio Lancellotti que,
para muitos, é o mais representativo profeta vivo de nossos dias.

Comments